O acidente com césio-137 em Goiânia foi a maior tragédia radioativa mundial fora de usinas e testes nucleares. A fonte do material radioativo foi um equipamento hospitalar abandonado encontrado por catadores de material reciclável. Os trabalhadores venderam a peça para um ferro-velho. O dono do local e seus funcionários abriram-na e encontraram um material branco que se tornava azul-brilhante no escuro.
Fascinados com a descoberta, apresentaram a substância para as suas famílias e vizinhos. Em poucos dias, muitos moradores de Goiânia apresentaram sinais de contaminação, que apenas alguns dias depois foi associada ao material derivado do equipamento hospitalar abandonado.
O processo de contenção da radiação e tratamento das pessoas envolveu milhares de profissionais. Ao final, o acidente vitimou fatalmente quatro pessoas nas primeiras semanas. Outras dezenas ficaram com problemas decorrentes da exposição à radiação, desenvolvendo doenças como o câncer e vindo a falecer.
O material radioativo gerado no acidente está armazenado de forma segura em Abadia de Goiás, região metropolitana de Goiânia.
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Resumo sobre o acidente radioativo com césio-137 em Goiânia
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O acidente radioativo com o césio-137 em Goiânia ocorreu em 1987.
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Foi iniciado pela descoberta de equipamento médico abandonado que continha uma cápsula de cloreto de césio.
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A cápsula foi vendida a um ferro-velho e aberta pelo dono e seus funcionários.
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Após alguns dias, muitos moradores da cidade apresentaram sintomas idênticos de diarreia, vômito e fraqueza.
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Ao total, cerca de 112 mil pessoas foram atendidas, sendo que 249 apresentaram algum nível de contaminação pelo césio.
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Quatro dessas pessoas faleceram poucos dias após o contato com o césio-137.
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Muitos moradores da cidade desenvolveram problemas de saúde decorrentes da radiação.
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No episódio, 3500 m3 de lixo radioativo foram gerados.
Videoaula: Césio-137: o maior acidente radiológico do mundo
Como foi o acidente com o césio-137 em Goiânia?
O acidente com césio-137 em Goiânia começou a partir da desativação do Instituto Goiano de Radioterapia, clínica especializada no tratamento de câncer, localizada no centro de Goiânia. Nesse processo, alguns objetos foram deixados no terreno que a clínica ocupava. Dentre estes estava um equipamento de radioterapia, o qual continha uma cápsula com material radioativo, o césio-137.
Em 13 de setembro de 1987, dois catadores de material reciclável — Wagner Pereira e Roberto Alves — encontraram o equipamento abandonado e resolveram desmontá-lo. Dentro, havia uma peça muito pesada, que eles concluíram ser chumbo, metal de alto valor. Com a intenção de vender a cápsula de chumbo para ferros-velhos, os dois trabalhadores começaram a tentar abri-la.
Após cinco dias de trabalho e alguma dificuldade, os catadores retiraram partes da peça e levaram o restante para o ferro-velho do senhor Devair Ferreira. No ferro-velho, Devair conseguiu abrir totalmente a cápsula, expondo ao ambiente cerca de 19 gramas do material cloreto de césio.
O pó encontrado dentro da cápsula encantou Devair, pois ele era branco e parecido com sal de cozinha, mas no escuro ele emitia uma luz brilhante azulada. Devair quis dividir a descoberta com a sua família, por isso levou o material para casa, deixando-o na sala para que todos pudessem ver e tocar. Os vizinhos também foram chamados para observar aquele curioso material.
Após alguns dias, os membros da família de Devair começaram a passar mal, desenvolvendo sintomas de diarreia, vômito, tontura e queda de cabelo. Muitas pessoas da cidade procuraram os hospitais e as farmácias apresentando os mesmos sintomas. Os profissionais da saúde trataram esse caso, inicialmente, como alguma doença infecciosa e contagiosa.
Com o agravamento dos sintomas nas pessoas da família de Devair, sua esposa, Maria Gabriela, começou a suspeitar que houvesse relação com o pó azulado com o qual todos tinham entrado em contato. Então, Maria Gabriela pegou o cilindro contendo o material e se dirigiu, via transporte público, até a Vigilância Sanitária de Goiânia. Chegando lá, relatou o ocorrido. Os profissionais do órgão deixaram o material em uma mesa até que fosse analisado e depois o transferiram para o estacionamento. Isso durou dois dias, enquanto os funcionários trabalhavam normalmente no local.
Os médicos da cidade começaram a desconfiar que estavam diante de uma contaminação por radiação, em razão do elevado número de pessoas contaminadas. Então, o físico Walter Mendes Ferreira foi acionado. Ao chegar na cidade, os equipamentos de Walter já indicaram índices de radiação mais altos que o esperado. No setor de vigilância sanitária, os medidores de radiação apontaram níveis altíssimos de radiação.
Imediatamente, Walter acionou a Comissão Brasileira de Energia Nuclear (Cnen), informando que se tratava de um acidente radioativo. O dia era 29 de setembro, 16 dias após a abertura da cápsula, tempo suficiente para que vários pontos da cidade de Goiânia, principalmente na região central próximo ao ferro-velho, registrassem elevados índices de radiação nos equipamentos de medição.
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Como o césio-137 foi contido em Goiânia?
O plano emergencial de contenção de danos e tratamento dos envolvidos foi imediatamente iniciado, após a ciência da gravidade do ocorrido, identificando pessoas que tiveram contato com o material e os locais em que o césio poderia ser ter sido espalhado, que se concentraram em sete principais pontos da cidade. Participaram desse plano, batizado como Operação Césio-137, diversos órgãos estaduais e federais.
As primeiras atividades foram a identificação, monitoramento, descontaminação e tratamento das pessoas envolvidas e das áreas consideradas focos principais de contaminação.
O governo reuniu todas as pessoas suspeitas de estarem contaminadas no Estádio Olímpico, que serviu como ponto de triagem. Centenas de pessoas ficaram acampadas durante dias para que fosse feita a testagem dos níveis de radiação e os tratamentos para a descontaminação do organismo, evitando que a radiação continuasse a se espalhar pela cidade.
Em um primeiro momento, as pessoas contaminadas foram submetidas a banhos com sabão neutro e lavagem com ácido acético (vinagre), para facilitar a remoção do cloreto de césio. Em regiões de maior contato, como mãos e pés, foi utilizada uma mistura de dióxido de titânio e lanolina, além de objetos abrasivos, como pedra-pomes.
Os casos mais graves foram tratados no Hospital Geral de Goiânia, onde foram separadas alas exclusivas para esses pacientes.
As casas de Devair e de Wagner foram demolidas, bem como o ferro-velho. Nesses locais, o solo contaminado foi removido e a área foi recoberta com um tipo específico de concreto, que não permite perfurações. O concreto é um dos materiais capazes de conter a emissão da radiação.
Algumas ruas da cidade tiveram de ser arrancadas e reconstruídas. A dispersão do césio-137 no ambiente foi monitorada e quantificada, analisando-se seus níveis no ar, na água e nos vegetais.
Qual foi o destino do lixo radioativo do césio-137?
Os métodos de contenção da contaminação pelo césio-37 em Goiânia geraram cerca de 3500m3 de lixo radioativo. Todo esse material contaminado foi armazenado em contêineres e tambores concretados e alocados definitivamente em um depósito especialmente construído para esse fim, na cidade de Abadia de Goiás, a 23 km de Goiânia, dentro do Parque Estadual Telma Otergal.
No local, foi instalado um centro de monitoração do lixo radioativo, o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste, que faz o acompanhamento do ambiente no entorno do depósito, inclusive do lençol freático.
O depósito é como se fosse uma piscina de concreto e foi projetado para suportar intempéries por pelo menos 300 anos. Também é resistente à queda de aeronaves. O depósito acomodou um grande contêiner de concreto e tambores de aço contendo o material radioativo, além da fonte de césio-137 que originou o acidente. Todos os espaços vazios foram preenchidos com argila e betonita e recobertos com concreto e camadas de brita, areia, terra e grama.
Dentro desse depósito estão objetos pessoais, vestimentas, solo, plantas, animais sacrificados, automóveis, casas demolidas, ruas que tiveram que ser arrancadas e cerca de 50 veículos.
Quais as consequências do acidente com o césio-137 em Goiânia?
As consequências do acidente em Goiânia são incalculáveis, alcançando tanto o âmbito de saúde física e mental quanto o lado social das pessoas envolvidas.
Muitas pessoas diretamente envolvidas com o material radioativo ou com as pessoas altamente contaminadas desenvolveram severos casos de lesões cutâneas causadas pela radiação (radiodermite), queimaduras na pele, anemias, lesões na medula óssea, baixa imunidade e perda de cabelo. Boa parte delas desenvolvem diferentes tipos de câncer anos após o acidente. Muitas crianças da época do acidente desenvolveram câncer de tireoide.
Alguns pacientes ficaram com alterações corporais, o que os faz se sentirem envergonhados da própria aparência. Os familiares das vítimas atingidas e daqueles que foram a óbito desenvolveram quadros de depressão e abuso de drogas, como o álcool e o cigarro.
Os danos à saúde mental são mais difíceis de ser mensurados, mas se manifestaram em diversas pessoas e profissionais que estiveram envolvidos no acidente e no cuidado às vítimas.
Os moradores de Goiânia e de Abadia de Goiânia sofreram inúmeras situações de preconceito em razão da falta de conhecimento de pessoas de outras cidades e estados, que se afastavam considerando que eles estavam contaminados.
As vítimas do acidente com Césio-137 em Goiânia
Estima-se que, ao todo, foram analisadas 112.800 pessoas. Em 249 pessoas foi constatado algum nível de contaminação. Em 120 delas, a descontaminação de roupas, sapatos e pertences foi suficiente. As outras 129 pessoas receberam atendimento e acompanhamento médico. Em 79 pacientes a contaminação foi externa, e foi feito atendimento ambulatorial. Os outros 50 pacientes tiveram contaminação interna, necessitando ficar em condições de isolamento, sendo 14 deles em estado grave, os quais foram encaminhados para o Hospital Naval, no Rio de Janeiro. Algumas pessoas estavam tão fortemente contaminadas que se tornavam focos de contaminação.
Quatro pessoas foram a óbito nesse episódio, após quatro e cinco semanas da exposição, em decorrência de hemorragia e infecção generalizada, complicações já esperadas da contaminação. Os pacientes que foram a óbito são:
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Leide das Neves Ferreira, de seis anos, filha de Ivo Ferreira e sobrinha de Devair Ferreira.
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Maria Gabriela Ferreira, de 37 anos, esposa de Devair Ferreira.
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Israel Baptista dos Santos, de 22 anos, funcionário do ferro-velho que trabalhou para a abertura da cápsula.
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Admilson Alves de Souza, de 18 anos, funcionário do ferro-velho que trabalhou para a abertura da cápsula.
Oito pacientes desenvolveram Síndrome Aguda de Radiação, 14 manifestaram falência de medula óssea e um deles teve amputação de membro. No total, 28 pessoas desenvolveram algum tipo de lesão cutânea.
No início de 1988, foi criada a Fundação Leide das Neves Ferreira, que ficou responsável pelo acompanhamento das pessoas atingidas pela radiação, de acordo com o nível de exposição, dividindo-as em três grupos:
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pacientes com lesões cutâneas ou alto nível de radiação corporal;
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seus familiares e pessoas de contato próximo;
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pessoas que trabalharam no acidente, como policiais, bombeiros, médicos, enfermeiros, motoristas, entre outras.
Atualmente, o serviço de acompanhamento é executado pelo Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados.
Devair Ferreira, o dono do ferro-velho, sobreviveu à alta dose de radiação que seu corpo recebeu, no entanto passou os anos seguintes com problemas em diversos órgãos, perda de cabelo e desenvolveu câncer. Em razão da culpa pelo acontecido, tornou-se alcoólatra.
Seu irmão e pai de Leide, Ivo Ferreira, desenvolveu um quadro depressivo e passou a abusar do uso de cigarros. Acabou falecendo de enfisema pulmonar em 2003.
Nos anos posteriores a 1987, muitas pessoas contaminadas em algum grau pela radiação foram a óbito, principalmente em razão de diferentes tipos de câncer.
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Césio-137
O césio-137 é um isótopo radioativo do elemento césio, formado por meio de reações de fissão nuclear de elementos mais pesados.
O perigo que o césio-137 oferece vem de seu processo de decaimento radioativo, que forma bário-137 e emite partículas beta e radiação gama. A radiação gama é altamente lesiva para tecidos e células, pois possui alta energia, que acaba afetando a estrutura e os mecanismos de funcionamento das células. O concreto e o chumbo são os materiais normalmente empregados para conter a radiação.
O césio-137 possui vantagens, desde que usado com cautela e seguindo as recomendações de segurança. Essa substância é empregada em equipamentos médicos, como aparelhos de radioterapia e tomografia.
No setor alimentício, a irradiação de césio-137 em alimentos é uma prática útil para a esterilização, eliminando fungos e bactérias, aumentando assim a validade do alimento e diminuindo a incidência de contaminações. A irradiação de césio-137 também é empregada para esterilização de equipamentos e utensílios médicos.
Obviamente, para essas aplicações a quantidade de césio-137 é cuidadosamente monitorada para que não apresente nenhum tipo de risco à saúde.
Créditos da imagem
[1] Wikimedia Commons (reprodução)
[2] Wikimedia Commons (reprodução)